lunes, 22 de mayo de 2017

O Mercosul frente ao Acordo de Facilitação do Comércio


Tomado de http://www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/o-mercosul-frente-ao-acordo-de-facilita%C3%A7%C3%A3o-do-com%C3%A9rcio


22 May 2017
Em 22 de fevereiro de 2017, entrou em vigor o Acordo de Facilitação do Comércio (TFA, sigla em inglês), assinado pelos membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). Os quatro membros fundadores do Mercado Comum do Sul (Mercosul) manifestaram seu interesse em aderir ao referido Acordo[1].

O TFA contém disposições cujo objetivo é agilizar os despachos aduaneiros e o fluxo internacional de mercadorias, aumentar a transparência e a difusão dos regimes aduaneiros, bem como a cooperação entre todos os organismos nacionais que intervêm nos processos de importação e exportação de bens. Além disso, dispõe sobre a aceleração das pautas sobre assistência técnica e criação de capacidades, entre outros temas.

Segundo a OMC, “uma transação aduaneira envolve, em média, entre 20 e 30 partes diferentes, 40 documentos, 200 elementos de dados (30 dos quais se repetem 30 vezes, no mínimo) e a necessidade de reescrever, pelo menos mais uma vez, entre 60 e 70% de todos os dados”[2].

Além de agilizar os trâmites na alfândega, o Acordo exige que cada país crie um Comitê Nacional de Facilitação do Comércio (Artigo 23.2 do Acordo), do qual deverão participar os distintos organismos públicos e entidades privadas que intervêm no comércio exterior. Trata-se de uma oportunidade histórica de abordar o comércio exterior sob uma perspectiva sistêmica.

O fluxo internacional de mercadorias em um país constitui um sistema. Se pensarmos em uma analogia com o sistema circulatório no corpo humano, as mercadorias importadas e exportadas corresponderiam aos componentes do sangue (glóbulos vermelhos e brancos, por exemplo). Os sujeitos que intervêm (como importadores/exportadores, alfândega, bancos e transportadoras) equivaleriam aos órgãos do corpo humano, tais como o coração. De modo similar, o mecanismo de funcionamento, comprendido pelos processos e regimes aduaneiros, corresponderiam à sístole e diástole cardíaca. Por fim, as propriedades emergentes, constituídas pelo ingresso de bens e divisas para satisfazer as necessidades dos cidadãos, podem ser pensadas como uma analogia à distribuição de nutrientes e oxigênio realizada pelo sangue. O equilíbrio da balança comercial nacional, por sua vez, equivale ao equilíbrio da temperatura corporal que o sistema cardiovascular proporciona ao organismo humano.

Assim como o corpo humano possui sensores que detectam a presença de ferimentos e inflamações que desviam ou obstruem o fluxo sanguíneo, a formação de uma mesa de diálogo e coordenação permanente, da qual participem todos os protagonistas do comércio exterior, em cada membro do Mercosul, permitirá monitorar e coordenar tarefas nas áreas que apresentam lentidão ou obstáculos ao fluxo de mercadorias.

Este artigo trata dos desafios colocados ao Mercosul tanto pela harmonização como pela facilitação dos processos aduaneiros avançados pelo TFA. Discute, ainda, a formação dos Comitês Nacionais de Facilitação e seu papel nesse processo.

A harmonização e facilitação dos processos aduaneiros

No que diz respeito aos procedimentos aduaneiros, no Mercosul estão regulados e harmonizados mais de 25 Regimes Aduaneiros Comuns: entre eles, Regime de Origem, Regime Tarifário, Regime de Bagagem, Circulação de Bens Culturais, Regime de Valoração Aduaneira e Gestão de Riscos. Tais regimes estão à espera da aprovação do Código Aduaneiro do Mercosul (Decisão CMC 27/2010), um corpo normativo comunitário formado por 181 artigos, que define e harmoniza os institutos fundamentais em matéria aduaneira. Uma vez referendado pelo Congresso de todos os membros do bloco, o Código regulará a entrada e saída de mercadorias que têm o Mercosul como origem ou destino. Até o momento, apenas a Argentina avançou nessa direção, tendo internalizado o Código por meio da Lei  No. 26.795.

A maioria dos regimes aduaneiros mencionados utiliza como referência internacional as Convenções e Recomendações da Organização Mundial de Aduanas, que também têm constituído a base sobre a qual os representantes da OMC negociaram o alcance do TFA.

Os quatro membros fundadores do Mercosul manifestaram seu interesse em aderir o máximo possível à “Categoria A”, que compreende os países em condições de aplicar as disposições do TFA desde a entrada em vigor deste, deixando para a “Categoria B”[3] algumas poucas exceções, conforme exposto abaixo.

Argentina
Em nota dirigida em 23 de maio de 2016 ao Comitê Preparatório sobre Facilitação do Comércio, a Argentina designa todas as disposições da Seção I do TFA que serão incluídas na “Categoria A” a partir da entrada em vigor do Acordo. O documento especifica as seguintes exceções:

- parágrafos 2.1 e 3.4 do Artigo 1 (envio de informações, formulários e documentos);
- itens b) e c) do parágrafo 4 do Artigo 1 (site e informações de contato);
- inciso ii do item a)do parágrafo 9 do Artigo 3 (resoluções antecipadas sobre a origem da mercadoria);
- parágrafos 2.1 e 4 do Artigo 10 (aceitação de cópias eletrônicas e janela única); e
- parágrafo 4 do Artigo 11 (liberdade de trânsito).

Brasil
Em 25 de julho de 2014, o Brasil especificou ao Comitê Preparatório sobre Facilitação do Comércio todas as disposições da Seção I do TFA que deveriam ser incluídas na “Categoria A”, à exceção de:

- seção b) do parágrafo 6 do Artigo 3 (prazo em que serão emitidas as resoluções antecipadas);
- inciso ii do item a) do parágrafo 9 do Artigo 3 (resoluções antecipadas sobre a origem da mercadoria);
- parágrafo 1 do Artigo 7 (apresentação da documentação);
- parágrafo 7.3 do Artigo 7 (Operadores Autorizados); e
- parágrafo 9 do Artigo 11 (apresentação e tramitação antecipadas dos documentos e dados relativos ao trânsito antes da chegada das mercadorias).

Em 4 de abril de 2016, o Congresso Nacional aprovou, mediante o Decreto Legislativo No. 1, o texto do Protocolo de Emenda do TFA. Em 29 de março, foi apresentado à OMC o instrumento de aceitação (ratificação).

Paraguai
No caso do Paraguai, a notificação ao Comitê Preparatório sobre Facilitação do Comércio foi encaminhada em 20 de junho de 2014. Nesse documento, são especificados os compromissos adotados pelo país na “Categoria A” quanto aos seguintes Artigos do TFA: 3, 4, 5.2, 7.2, 7.4, 9, 10.2, 10.3, 10.4, 10.5, 10.6, 10.8, 10.9, 11 e 12.

Diferentemente dos demais membros do bloco, a notificação do Paraguai foi acompanhada de uma metodologia "positiva", ou seja: o país adere apenas às disposições expressamente detalhadas no parágrafo acima.

Para concluir o trâmite de ratificação, em 1º de março de 2016, o Paraguai encaminhou à OMC o instrumento de aceitação do TFA (Lei No. 5564, de 25 de janeiro de 2016).

Uruguai
Por meio de nota dirigida em 24 de julho de 2014 ao Comitê Preparatório sobre Facilitação do Comércio, o Uruguai comunicou que incluirá todas as disposições da Seção I do TFA na “Categoria A” a partir da entrada em vigor do Acordo. Como exceções, o documento especifica o Artigo 7.3, que estabelece a separação entre a liberação e a determinação definitiva dos direitos de aduana, impostos, cargas e taxas. Tal disposição, segundo o documento, foi incorporada à “Categoria B” de compromissos.

Desse modo, embora a posição dos membros do Mercosul quanto à adesão ao TFA seja muito positiva (“Categoria A”) e ainda que estejam em condições de implementá-las nos termos do Acordo, as exceções mencionadas acima evidenciam dois aspectos. Primeiramente, que tais compromissos não coincidem entre si – o que é um obstáculo à adesão do Mercosul como bloco econômico regional. Em segundo lugar, deve-se esperar um prazo para a plena implementação desses compromissos, em toda a região.

Os Comitês Nacionais de Facilitação do Comércio

O Artigo 23.2 do TFA estabelece que cada membro da OMC estabelecerá um Comitê Nacional de Facilitação do Comércio (CNFC) para a coordenação interna e a aplicação das disposições do Acordo.

Esse organismo constituirá o instrumento de gestão, o ponto de encontro, plataforma ou mesa de trabalho em que se buscará:

a) identificar as necessidades e prioridades do país em matéria de facilitação do comércio;
b) assegurar a coordenação e cooperação entre todos os setores envolvidos na facilitação do comércio; e
c) propiciar a simplificação, padronização e harmonização dos procedimentos vinculados à importação e exportação de mercadorias.

O método sistêmico

Estabelecido o órgão que permitirá monitorar os fluxos comerciais (o CNFC), proponho agora pensar a metodologia de análise do comércio exterior a partir do trabalho de Mario Bunge, intitulado Tratado sobre Filosofia Básica. Para o autor, “sistema” pode ser definido como o conjunto de elementos relacionados e estruturados entre si, com um mecanismo próprio de funcionamento e com propriedades emergentes, no qual o todo não é igual à soma das partes. De acordo com Bunge, todas as coisas (sejam materiais ou imateriais) constituem um sistema ou fazem parte de um sistema.

A investigação de um sistema concreto requer a construção de um modelo que consiste na descrição da composição (suas partes ou elementos), do entorno (elementos externos que modificam os componentes do sistema ou modificados por eles), da estrutura (relações entre os componentes) e, por fim, do mecanismo (processos que se dão dentro de um sistema).

Conhecido como “CESM”, esse instrumento conceitual é empreendido em análises diversas (de átomos a fenômenos sociais mais complexos, como uma grande cidade ou um país).

Tal método permite identificar as "relações" entre os elementos que formam um sistema, sua organização interna, seus níveis hierárquicos e seu entorno. Com isso, permite avançar a um nível mais elevado de compreensão de suas partes e componentes.

Aqui, é preciso considerar que a análise sistêmica é extremamente útil para compreendermos fenômenos complexos, tais como o comércio internacional ou os processos de integração regional. Um sistema pode fazer parte de um sistema maior, que podemos chamar de meta-sistema ou ser composto por subsistemas, os quais, por sua vez, podem ser formados por outros ainda menores – e assim poderíamos continuar até chegar aos componentes mais elementares.

Proponho aqui mobilizar esse ferramental metodológico para analisar o fluxo internacional de mercadorias em determinado território. Um primeiro passo nessa direção envolve especificar cada um dos conceitos CESM mencionados acima, tomando como referência a Argentina:

Composição (C)
Os elementos que formam o sistema de comércio exterior argentino correspondem à totalidade das mercadorias (incluindo as divisas) importadas e exportadas.

Entorno (E)
O restante dos países e blocos regionais do mundo.

Estrutura (S)
Todos os processos que regulam a importação e exportação de mercadorias.

Mecanismo de funcionamento (M)
Aqui está o "centro" da questão, a forma com que funciona o sistema e, em particular, o papel de cada um de seus protagonistas.


Considerações finais

Ainda que atualmente o Mercosul possua (incluindo a Venezuela) 295 milhões de habitantes, um produto interno bruto (PIB) de US$ 3,3 trilhões – que o posiciona como a quinta economia global[4] –, a segunda maior Zona Aduaneira do mundo, com uma superfície total de 14.869.775 km2, ainda há muito a realizar no que diz respeito às necessidades atuais do comércio internacional.

Em primeiro lugar, é necessário trabalhar, dentro daquilo que é possível para cada Ministério competente, para adequar ao texto do TFA as exceções pontuais apresentadas por cada membro do bloco em relação à Seção 1 do Acordo.

Em segundo lugar, é necessário que cada membro crie e/ou adapte os Comitês Nacionais de Facilitação do Comércio previstos no Artigo 23, item 2º do Acordo, sugerindo-se para tal fim a continuação das pautas e recomendações propiciadas pela Organização Mundial de Aduanas[5] (WCO, sigla em inglês) em seu guia, intitulado National Committees on Trade Facilitation: a WCO guidance.

Em terceiro lugar, é necessário que o Código Aduaneiro do Mercosul (Decisão CMC 27/2010) seja referendado pelos Congressos de Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, a fim de aperfeiçoar a União Aduaneira, unificando os territórios aduaneiros e facilitando a livre circulação de mercadorias dentro do bloco.

De maneira complementar, é também conveniente avançar na região com a aprovação do Convênio de Quioto Revisado, a cujo Corpo Principal e Anexo Geral a Argentina aderiu em 2015 (Lei No. 27.138). Tal instrumento contribui para eliminar divergências entre os regimes e práticas aduaneiras residuais que possam ter persistido.

Héctor H. Juárez é advogado e professor. Membro do Comitê Técnico Nº 2, do Subcomitê Técnico de Legislação Aduaneira do Mercosul e do Grupo de Redação do Código Aduaneiro do Mercosul. E-mail: hhjuarez@gmail.com



[1] Até o fechamento desta edição, a Venezuela não havia se declarado a respeito.
[2] Disponível em: <http://bit.ly/2r7vRBI>.
[3] As disposições são aplicadas após um período de transição.
[4] Disponível em: <http://bit.ly/1QNjenQ>.
[5] O Convênio de Kyoto Revisado, o Compêndio sobre a Gestão Coordenada das Fronteiras, o Modelo de Dados da WCO, o Compêndio sobre Janela Única, a Declaração de Arusha Revisada, o Compêndio sobre Gestão de Risco e a Guia sobre os Laboratórios Aduaneiros são apenas alguns dos exemplos.
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